Inverdades didáticas no ensino de evolução - é plausível?

16/07/2013 02:49

    Normalmente Evolução é um conteúdo de Biologia deixado para ser ensinado em um curto espaço de tempo, o que se transparece incoerente, visto que a evolução é a base do estudo da vida. 

    Muitos exemplos didáticos utilizados para educação básica e até acadêmica estão erradas, mas como servem como exemplos mais fáceis de serem entendidos, seguem sendo ensinados.

 

    Vejamos abaixo alguns dos exemplos didáticos que já não são mais considerados verdadeiros, mas que os livros didáticos continuam utilizando:

 

I - As girafas de Lamarck e Darwin

    Quem nunca viu em um livro didático ou alguns sites educacionais a seguinte imagem para comparar a Teoria de Lamarck e a Teoria Evolutiva de Darwin?

    Sim, ela é muito utilizada por apresentar uma forma de exemplificação de fácil entendimento. Onde na primeira Teoria o ambiente seria ativo nas mudanças evolutivas e na segunda ele agiria passivamente, através da seleção natural. 

    Primeiramente, antes de confrontar duas teorias, é preciso entender que ambas foram feitas em tempos distintos, a primeira é do século XVIII e a segunda do século XIX e que Lamarck e Darwin jamais puderam discutir suas teorias, sendo assim um clássico anacronismo colocá-las em oposição. E Darwin não foi contra a teoria de Lamarck, inclusive até utiliza alguns pontos dela no seu principal livro. Havia divergência, mas não como a ideia que os livros passam: “Darwin era contra Lamarck”, “Lamarck era o cara que dizia o contrário de Darwin”. A divergência principal de Darwin encontrava-se de fato nas leis de “tendência para o aumento da complexidade” e “surgimento de órgãos em função de necessidade”. 

    Posteriormente, é preciso pensar: Será que Lamarck e Darwin utilizaram Girafas para ancorar suas teorias? A melhor resposta seria "não". Ambos citam as girafas, mas eles não dão ênfase nelas como os livros didáticos dão. Lamarck fala no pescoço das girafas, mas não dá toda importância que parecem ter, apenas um exemplo dentro os muitos outros que ele dá até mais importância; e Darwin fala da cauda desses animais e só cita o pescoço na 6ª edição do Origem para confrontar os ataques de Saint George Mivart ao darwinismo.

    Porém, somente isso não seria o suficiente para não utilizar o exemplo para pelo menos comparar as teorias. Será que há algum fator muito crítico para colocar essa história abaixo? Há. Antes, vamos entender bem o que o exemplo quer explicar no vis-à-vis das teorias:

    Nos livros, ‘segundo Lamarck’ os ancestrais das girafas teriam pescoço curto e a necessidade de alcançar a copa das árvores, principalmente em épocas de escassez de alimentos, teria provocado o constante exercício de esticar o pescoço e essa característica ‘pescoço alongado’ seria transmitida à descendência. O resultado depois de milhares de anos seriam as girafas modernas, com pescoço longo e musculoso (claramente explicação utilizando uso e desuso e transmissão de caracteres adquiridos).

    Os mesmos livros, quando trazem o contraponto utilizando a teoria de Darwin, explicam que indivíduos nasceriam com pescoços de tamanhos variantes, ligeiramente diferentes, e que os ‘privilegiados’ teriam vantagem na hora de alcançar as copas das árvores, o que em épocas de escassez de alimentos seria determinante para a sobrevivência (através da seleção natural os mais aptos sobreviveriam). Portanto, as girafas nascidas com pescoço mais alongado teriam maior chance de sobreviver e de transmitir a característica para sua prole. 

    Muito bem, um exemplo bem didático, mas como já vimos há um fator crítico para não ser mais utilizado. Não o de dar ênfase a um assunto que nem os dois autores deram, mas o de passar uma ideia errônea da etologia dos girafídeos.

    Após algumas pesquisas sobre o comportamento das girafas, os resultados mostraram que o tamanho e robustez do pescoço não seria um fator decisivo na alimentação e sim para outras coisas. Entre os machos serve como display para conquista das fêmeas, sendo assim um fator de dominância. Os machos também o usam para duelos ferozes. Outra função é a de servir como ‘torre de observação’, para conseguirem vigiar a aproximação de predadores (defesa). Além disso, outras pesquisas ainda mostraram que, em ambos os sexos, as girafas se alimentam com o pescoço curvado para baixo com maior frequência, sugerindo que o tamanho dele não teria evoluído devido à busca de alimentos em partes mais altas das plantas. 

II – Melanismo industrial – as mariposas camufladas

    Outro exemplo muito utilizado para evolução em livros didáticos é o melanismo industrial. Esse exemplo consiste na alteração do padrão das cores das mariposas Biston por causa da poluição advinda das indústrias. Melhor explicando, antes da Revolução Industrial, grande quantidade de líquens cobria as árvores das florestas que as mariposas habitavam, conferindo aos seus troncos uma cor esbranquiçada. O padrão de cor predominante nessas mariposas, na época, era claro, e elas facilmente se confundiriam com a cor dos líquens, ao repousar sobre os troncos. Com a criação das indústrias, o ar carregado de fuligem e outros poluentes provocou a morte dos líquens e o escurecimento dos troncos. Como resultado, a vantagem proporcionada pela cor clara teria invertido: ao repousar sobre os troncos as mariposas seriam facilmente avisadas pelos predadores. Com isso, a variedade de cor escura, de menor proporção, teria passado a predominar, porque sendo mais escuras e os troncos estando também assim, elas que ficariam camufladas. Quase cem anos depois, com a adoção de leis de controle da emissão de poluentes inverteu novamente o padrão: troncos com novas populações de líquens, portanto mais claros, passaram a esconder melhor as mariposas de cor clara. 

    Os livros normalmente trazem algumas fotografias que registram os experimentos do biólogo Bernard Kettlewell:

 

     Outro ótimo exemplo da seleção natural agindo em um curto espaço de tempo, porém existem também fatores que colocam essa ideia abaixo. O primeiro é que as mariposas nas fotos não estavam vivas e sim foram coladas nos troncos, o segundo é que não é do comportamento das mariposas Biston ficar repousadas nos troncos das árvores, não é muito conhecido onde elas preferem estar, mas acredita-se que seja no alto das copas das árvores. E por fim é que a relação de grau de poluição e predomínio de cor não se manteve como o esperado.  Pois, o novo aumento na proporção de mariposas claras ocorreu bem antes da recolonização dos troncos das árvores pelos líquens.

 

III - Coevolução inseto-angiospermas

    Um clássico exemplo de anacronismo é a coevolução dos insetos com as plantas floríferas. Primeiramente temos que entender o que é coevolução:

    O termo coevolução pode ser definido como uma resposta evolutiva recíproca entre populações, quando essas populações estão interagindo, com o passar do tempo elas vão evoluindo em resposta às características da outra que afetam o seu ajustamento evolutivo, segundo Ricklefs. Em suma, coevolução é uma evolução simultânea de duas ou mais espécies que tem um relacionamento ecológico próximo. Como as pressões seletivas são muito próximas, algumas variações e adaptações em uma espécie influenciam algumas variações e adaptações  evolutivas da outra espécie.

    Que os insetos e as plantas com flores tem uma proximidade ecológica é muito grande é inegável, porém dizer que é um processo de coevolução acaba por ser um anacronismo e vamos entender por quê.

    Quando se estuda insetos, possivelmente mais frequente na graduação, muitos fatores são elencados como combinação para o sucesso evolutivo desses animais, dentre eles o tamanho diminuto, grande variedade de nichos ecológicos e rápida dispersão (através do voo, por exemplo). Mas, além dos tradicionais motivos, um sempre está presente: a coevolução com plantas floríferas. Inúmeras espécies de angiospermas possuem insetos como polinizadores, numa relação mutuamente benéfica que fornece alimento aos insetos e ajuda na reprodução das plantas. Como bem citado por Gould: 'Tão intrincadas, e tão mutuamente adaptadas, são as características das flores e dos insetos em muitos casos - cores e odores especiais para atrair os insetos, bocas exóticas para extrair o néctar'. Assim, os insetos são assim tão diversos porque as angiospermas são assim tão variadas. 

    Muito bom, uma coevolução clássica. A não ser pelo registro fóssil que não remete ao mesmo. Os insetos surgiram no Devoniano, mas começaram a sua irradiação de diversidade no período subsequente, o Carbonífero (há cerca de 325 milhões de anos). As angiospermas, por sua vez, tem seus primeiros fósseis datando do início do Cretáceo (há cerca de 140 milhões de anos) e só vieram a florescer há cerca de 100 milhões de anos. Esse anacronismo somado aos estudos de alguns cientistas que tabularam as variedades de morfologia bucal dos insetos e viram que de 65-88% dessa variedade já existia no Jurássico Médio (período anterior à ascensão das angiospermas), inferem que as angiospermas não são responsáveis pela variedade morfológica dos mecanismos de alimentação dos insetos. 

    

IV – Usar ou não usar os exemplos?            

    Depois de ter lido todos os prós (exemplos fáceis de compreensão) e contras (inverdades já postas abaixo pela ciência), você já pode ter formulado a sua opinião sobre o assunto. Será que é plausível utilizar exemplos errados por serem de fácil compreensão?

    Na opinião deste estudante de biologia que vos fala, não é. Há outros exemplos verdadeiros que não são de tão difícil compreensão. A Evolução atualmente nem mais teoria é, é um fato comprovado pela ciência e usar de exemplos errados para comprová-la só tende a colocar  novamente dúvidas sobre a sua veracidade. Não podemos duvidar do poder de compreensão dos discentes sendo do ensino básico quanto do superior. Para embasar a seleção natural de Darwin temos o exemplo dos Tentilhões de Galápagos que também é de fácil entendimento e outros exemplos para teoria de Lamarck como das cobras e das aves pernaltas. E, por fim, no caso de coevolução parasita-hospedeiro e a corrida armamentista (onde as adaptações dos predadores são neutralizadas pelas adaptações das presas, não ocorrendo nenhum avanço).

    Um dos grandes problemas é que os livros didáticos acabam ‘cristalizando’ ideias e não as ventilam, não as atualizam. E como os estudantes e muitos professores acabam por não contrariar os conhecimentos expostos em livros, as inverdades acabam continuando sendo passadas de geração para geração. 

 

Referências

Rodrigues, Rodolfo Fernandes da Cunha  e Pereira da Silva, Edson;  Lamarck: fatos e boatos. Ciência Hoje. Edição 285. Setembro de 2011.

Roque, Isabel Rebelo; Girafas, mariposas e anacronismos didáticos. Ciência Hoje. Volume 34, nº 200. Dezembro de 2003.

Gould, S. J. The tallest tale. Natural history. Vol. 105. Pag. 18-23. May 1996.

Autor: Gustavo Tavares (2013)